quarta-feira, 21 de setembro de 2016

jan de 2016

Máscaras: Egito Antigo

No idioma do Antigo Egito, não havia uma palavra
específica  que  designasse  o  termo  “máscara”   (1)

Das muitas tradições africanas da máscara, talvez a mais conhecida seja aquela praticada apenas numa pequena região do continente. Talvez devido à antiguidade ou às diferenças estéticas (hipóteses que não resistem a uma análise criteriosa), infelizmente essa tradição da máscara chega a ser citada nos livros e revistas sem que se faça nenhuma referência ao fato de que se trata de técnicas desenvolvidas por uma cultura africana. A primeira característica que salta aos olhos em relação à tradição das máscaras no Antigo Egito é que elas tinham outra função senão a religiosa. Disfarce ou dissimulação das feições do rosto não era seu objetivo, direcionado exclusivamente para a elevação do portador ao nível da divindade, o que incluía tanto as máscaras representando animais, ocasionalmente usadas pelos vivos, quanto os capacetes funerários colocados nos corpos mumificados dos mortos. Contudo, de acordo com John Taylor, além do fato de que em egípcio antigo não existisse uma palavra específica para “máscara”, devido à utilização de matérias perecíveis que deixaram pouco ou nenhum traço arqueológico, a maioria das utilizadas naquela época e naquele lugar não sobreviveu - representações artísticas (pinturas e baixos ou altos-relevos) e inscrições seriam ambíguas demais para resolver o enigma, inspirando mais perguntas do que respostas. Outro fato que pode ter sido determinante em relação à escassez de evidências é o fato de que estamos mais bem informados a respeito dos rituais executados nos grades templos, enquanto as simpatias religiosas realizadas pelos camponeses (com suas máscaras fabricadas com material barato perecível) são relegadas ao segundo plano (2). (imagem acima, close da máscara mortuária de Tutancâmon; original Andrea Jemolo; imagens abaixo, à esquerda, máscara funerária de mulher pertencente à realeza da 18ª dinastia; à direita, máscara funerária de Hornedjitef, vivo durante o reinado de Ptolomeu III Evérgeta {246-222 a. C.}; fotografias British Museum)

No Egito antigo, a promessa de imortalidade não era apenas
privilégio  dos  poderosos. Todos precisavam colocar máscaras
funerárias  em  seus  defuntos,  já que se tratava de importante
elemento da passagem para o reino divino da Eternidade  (3)

Certa dificuldade de compreender do que Taylor está falando está no fato de que não nos damos conta que a maioria absoluta das máscaras egípcias que conhecemos tão corriqueiramente constitua equipamentos funerários, não dando conta de explicar por quem e como eram utilizadas as máscaras no mundo dos vivos – além disso, muitas delas chegaram até nós, constituindo registros arqueológicos importantes. As máscaras colocadas nas cabeças das múmias quase sempre reproduzem feições humanas, embora no estado divino que pretendem possuir depois da morte – geralmente relacionado a Osíris e o Deus Sol. Com feições estereotipadas, a maioria dessas máscaras de múmias era produzida em massa. As exceções são as máscaras mortuárias de pessoas da realeza, como é o caso de Tutancâmon, em cuja máscara alguma semelhança poderia existir. É curioso que ao mesmo tempo a perda da cabeça fosse a desastre mais temido pelos egípcios no outro e mundo, ao mesmo tempo em que a idealização das imagens do defunto era uma regra, seja em estátuas nas tumbas, caixões antropoides ou máscaras de múmias. De fato, atuando como substitutas da cabeça, máscaras forneciam proteção contra a eventualidade da decapitação na outra vida, entre outras funções em relação à garantia de vida após a morte.

“No antigo Egito, se acreditava que os espíritos de pessoas importantes retornariam e viveriam como múmias em suas tumbas. Durante os setenta dias dos procedimentos de embalsamamento, os sacerdotes usavam a máscara de Anúbis, o deus da mumificação. As máscaras podem ter tido duas funções: ao invocar os poderes de Anúbis através de mascaradas, os sacerdotes podiam preparar com sucesso o espírito do falecido para a eternidade; em segundo lugar, a máscara de nariz comprido [porque representa um chacal] pode ter protegido os embalsamadores dos odores desagradáveis e do pó do Natron utilizado no processo de mumificação. Uma máscara mortuária foi colocada no rosto da múmia, assegurando a seu espírito uma vida eterna. Provavelmente, o espírito do falecido foi transportado para o mundo espiritual através da máscara” (4) (imagem abaixo, exemplo das primeiras máscaras de múmias; fotografia, British Museum)

 Desde  as  primeiras verdadeiras máscaras  de  múmias, 
 a  importância   em   relação   à   cabeça  do  morto  já  era  evidente. 
Na falta de ouro ou impossibilidade de pintar de dourado, a riqueza
material do defunto será representada pela cor amarela

De acordo com Taylor, as primeiras máscaras verdadeiras de múmias (imagem acima) surgiram entre o 22º e o 21º séculos a. C., mas seus precursores podem ser reconhecidos em tumbas da época do Império Antigo (2686-2181 a. C.). À cabeça já era dispensada atenção nesse período, feições humanas podiam ser pintadas diretamente nos panos que embrulhavam a múmia ou modeladas com gesso diretamente sobre as bandagens (tratamento por vezes aplicado ao corpo inteiro durante a Quinta e a Sexta dinastias). Este procedimento no princípio da tradição culminaria no desenvolvimento de máscaras separadas para múmias, cobrindo a cabeça e os ombros do cadáver, tendo sido encontrados exemplos em tumbas datadas do Primeiro Período Intermediário e Império Médio (2181-1650 a. C.), por todo o Egito e até em Mirgissa ao sul, na Núbia. Os rostos eram pintados de amarelo, vermelho ou ouro, e os olhos às vezes incrustados. No caso dos homens, muitas vezes barbas e bigodes, enquanto as mulheres tinham seus seios nus representados em abas típicas dessas máscaras, que se alongavam na direção do tórax e das costas – embora os textos antigos se refiram a ela como mulher, a rainha Hatshepsut, que reinou entre 1490-1480 a. C., sempre foi representada em estátuas como um homem, incluindo barba e, às vezes, pênis (5). Algumas dessas máscaras contêm inscrições dos Textos dos Sarcófagos – as quais, revisadas a partir do Império Novo (1550-1070 a. C.), serão incorporadas ao Livro dos Mortos. (abaixo, máscara mortuária de Tutancâmon; fotografias, Andrea Jemolo)

Na passagem 531, algo ou alguém se dirige à máscara: “Saudações a você cujo rosto é amável, Senhor de visão... Amável rosto que está entre os deuses!”. O texto segue, identificando partes da máscara com divindades ou com os barcos em que o Deus sol viajou (portadores do potencial para a ressurreição): “Seu olho esquerdo é o barco noturno, seu olho esquerdo é o barco diurno, suas sobrancelhas são (aquelas de) Enneade (os nove deuses da história de criação da Heliópolis), sua testa é (aquela) de Anúbis, a nuca de seu pescoço é (aquela) de Hórus, as mechas de seu cabelo são (aquelas) de Ptah-Sokar...”. Uma versão do texto está gravada na máscara de outro de Tutancâmon (na aba da parte traseira, dos ombros até a altura das costas, dividida pela trança estilizada que desce do capacete): “Você está diante de Osíris, ele vê graças a você, você o guia para boas estradas, você castiga para ele os confederados de Seth, para que ele possa derrotar seus inimigos diante da Enneade dos deuses...”. Aqui o doente é Osíris (que foi morto por seu irmão Seth e ressuscitou), acima de todos os outros o deus identificado com a chave para o renascimento. A descrição da máscara como “cabeça misteriosa” levava os egípcios a identificar a cabeça com o deus sol, aquele que clareia as cavernas subterrâneas quando desce para o submundo à noite, iluminando com seu rosto dourado brilhante e trazendo nova vida para aqueles que lá habitam. Portanto, a máscara aparelha os doentes com aquilo que é necessário para uma passagem segura à vida após a morte – não apenas o cabelo azul (acreditava-se que o cabelo das divindades fosse desta cor), colar e carne dourada de um ser divino, mas os atributos físicos de todo uma gama de deuses específicos. Isso o identificava simultaneamente com Osíris e Re, o deus sol – uma garantia dupla de ressurreição. (imagens abaixo, máscaras funerárias para mulheres; à direita, datada de 1325-1224 a. C., provavelmente da época de Ramsés II, fotografia David Ulmer; à esquerda, máscara de Henutmehit, de Tebas, 19ª ou 20ª dinastia, 1295-1069 a. C., fotografia British Museum)

As máscaras de múmias do Império Médio marcaram o início de uma longa tradição que continuou, apesar de interrupções, até o século IV depois de Cristo. Influenciaram também, tanto técnica quanto iconograficamente, o desenvolvimento do caixão antropoide. Os primeiros caixões mumiformes assemelhavam-se a extensões da máscara. De fato, as funções de ambos continuariam ligadas durante os séculos seguintes. Por novecentos anos (1200-300 a. C.) o caixão antropoide, ostentando uma representação idealizada do rosto do morto, predominava nos funerais egípcios, ao passo que as máscaras de múmias eram utilizadas apenas eventualmente. O último grande florescimento da tradição da máscara de múmia no Egito chegaria durante o governo dos reis ptolomaicos (305-30 a. C.), estendendo-se durante os séculos do governo romano, quando começa a se verificar uma fusão entre os elementos faraônicos e a arte do mundo mediterrâneo.

Leia também:
 
Máscaras: Astecas, Maias e Incas





“Enquanto
estamos vivos, não
podemos    escapar  de 
máscaras e nomes. Somos inseparáveis de nossas 
ficções   –   nossas 
feições” 

Octavio Paz (1) 





 
Rostos da Montanha: Cordilheira dos Andes 

Habitantes da porção dos Andes que atravessa o Peru, Quéchuas e Aymaras utilizavam palavras muito parecidas quando se referem à máscara, caynata ou saynata. Sugerindo uma associação ameaçadora ou malévola, as palavras significam literalmente “pessoa mascarada”, “espantalho”, “para assustar as crianças”. Como sugere o termo ayachuco, capacete da morte, as máscaras também estão conectadas com os mortos. O cronista Felipe Guaman Poma de Ayala (1534/1556? -1615/1644?) viveu no Peru e desenhou fazendeiros usando cabeças de raposas e peles sobre suas cabeças e ombros em dramas mascarados dançados, onde se incorporavam personagens animais e eram apresentados durante cerimônias dedicadas a certas entidades espirituais – a dana llamallama iniciava os pastores que usavam peles de animais e máscaras, enquanto os Choquela usavam roupas de pele de vicuña. A iconografia andina inclui certos personagens e temas onipresentes, desde a era Chavín (pré-incaica) ao tempo dos Incas (1500 a.C.-1532 d.C.). Muitas das primeiras máscaras representavam alguns animais, incluindo o jaguar (onça), o puma e a raposa, alguns dos quais posteriormente assumiriam características cada vez mais antropomórficas entre as civilizações Chimú e Moche. De acordo com Anthony Shelton, máscaras de animais podem ter sido utilizadas em cerimônias religiosas, iniciações e rituais de sepultamento, representando a intervenção de entidades ancestrais. Divisões políticas do império Inca podem ser percebidas pelos tipos de máscaras comuns a cada comunidade ou província (2). (imagem acima, máscara de pedra estilo Mezcala, em Guerrero, no México, 330 a.C.-300 d. C.; abaixo, à direita, máscara de mosaico de turquesa, Mixteca/Asteca, 1200-1519 d. C - esta máscara foi por diversas vezes identificada como representando Quetzalcoatl, a Serpente Emplumada; Tonatiuh, o Deus Sol; Tlaltecuhtli, o Monstro Terrestre)



A mais antiga evidência
de    máscaras    nas   Américas
é  um  fóssil  de  vértebra  de  Lhama
 encontrado no México.  Entre 12 a 10 mil 
anos  a.C., foi  esculpida para representar
a  cabeça   de   um   coiote  Contudo,
  distintos estilos só começariam 
a emergir lá por 1200 a.C

Anthony Shelton (3)





Entre as culturas andinas antigas, máscaras eram largamente utilizadas para cobrir os rostos dos mortos, cujos corpos eram cuidadosamente vestidos e empacotados antes do sepultamento. Algumas das primeiras máscaras (cerca de 500 a.C.), da região de Ocucaje, no Peru, foram feitas com tecido tingido de vermelho ou marrom, costuradas as roupas das múmias. Feições faciais geométricas estilizadas proliferaram, às vezes representando felinos e serpentes. Na época dos Moches (entre 100 a.C. e 650 d.C.), máscaras funerárias foram feitas com folha de ouro martelada ou cobre - narizes, dentes e outras características eram feitas separadamente e soldadas. Mais simples e estilizadas do que seus precursores Moche, as máscaras Chimú (800-1470) utilizavam técnicas similares, com olhos pintados em incrustações com contas de turquesa – muitos exemplares encontrados em tumbas na região do vale de Lambayeque foram feitos de ouro, prata ou cobre, algumas encimadas por um crescente em forma de machado com animais nas laterais. As máscaras funerárias às vezes eram feitas de barro, embora máscaras de terracota vermelha tenham sido moldadas na região de Chicama num período anterior (500-250 a.C.) e, mais tarde, em Pampa Grande (500-700), no norte do Peru, enquanto pequenas máscaras cinzentas grosseiras foram encontradas nas tumbas em Portete, Esmeraldas, no Equador. Máscaras de cerâmica são provenientes da área habitada pelos Tolima, no norte da Colômbia, e ao sul, na região de Nariño. (imagem abaixo, máscara mortuária de ouro de um morto poderoso e/ou de status elevado, região colombiana de Quimbaya, norte da cordilheira dos Andes, 500 a. C.-1500)

“Máscaras dizem muito sobre o povo que as fez 
e  a  cultura  que   as   utiliza.  Seus  materiais  e  iconografia
fornecem  pistas  a  respeito  de   seu  significado  e  importância: 
 formas de  cobra,   conchas  e  cor   vermelha,   por  exemplo,  as  vezes 
simbolizam   fertilidade   e   renovação. A  fabricação   de   uma   máscara
muitas  vezes  demanda  grande   quantidade  de  recursos  humanos.  Os
melhores  artistas  da  comunidade  podem  ser  chamados  para  fazer máscaras, que por vezes estão entre os maiores feitos artísticos de 
uma sociedade, ainda que no final sejam enterradas e nunca 
se tenha pretendido que fossem vistas pelos vivos” 

Cara McCarty e John W. Nunley (4)

Em Cuzco, no Peru, homens vestindo roupas com pele de puma surgem no final da cerimônia para a iniciação de filhos de famílias nobres à vida adulta (e à masculinidade dos homens adultos). Acredita-se que as máscaras de puma e jaguar representem os animais nos quais os ancestrais dos Incas foram transformados – crença não muito diferente daquela mexicana que trata de animais de estimação (nahuals). Ao norte dos Andes, na Colômbia, ouro era martelado (cinzelado) no interior de máscaras em sepultamentos de gente da classe alta. Entre os Moche, nos Andes Peruanos, máscaras funerárias de deuses com dentes de felinos combinam esses animais com cabeças de serpentes nos brincos. A utilização de símbolos de felinos refere-se à morte e indica status elevado. Devido à constante perda e renovação de sua pele, na iconografia Moche as serpentes simbolizam a fertilidade. Por viverem no chão, as serpentes também são consideradas criaturas em contato íntimo com a vida após a morte (5). (imagem abaixo, fragmento de braseiro antropomórfico apresentando máscara com rosto jovem que se abre para revelar outro rosto mais velho antes de chegar ao rosto humano atual. Asteca, cerca de 1300 d.C.)

México e América Central: Entre o Rosto e a Máscara   




Na    América    Central,
é muito comum descobrirmos
que  as  máscaras  que  aparecem 
nos  murais  e  vasos  são bastante diferentes      daquelas      que
sobreviveram nos museus 





De acordo com Shelton, a mais antiga evidência de festa de máscaras na América Central data de meados do período pré-clássico (1000-300 a.C.). Encontramos aqui duas tradições bem definidas: culturas de aldeias centradas no vale do México (no centro do país) e a civilização Olmeca dispersa pelos Estados mexicanos do centro sul do país (Veracruz, Tabasco, Puebla, Morelos e Guerrero). Máscaras de cerâmica do período pré-clássico tardio (300 a.C-300 d.C.) também foram recuperadas mais ao norte, em Colima, Jalisco, Nayarit e Guanajuato. O maior número de máscaras deste período foi encontrado no vale central do país, em Tlatilco, Xochipala e Tlapacoya, e nos sítios Olmecas de Arrollo Pesquero, San Lorenzo e Tenenexpan. Fora do vale e das áreas Olmecas, estilos regionais isolados proliferaram, noutras áreas a pintura corporal era mais disseminada do que as máscaras. Muitas dessas máscaras de cerâmica do vale compartilham características iconográficas similares àquelas associadas aos deuses durante os períodos posteriores da história mexicana. Rostos arredondados, lisos e sem expressão, com olhos circulares e bocas abertas de Tlatilco, podem ter representado as máscaras de pele associadas com o deus Xipe Totec, que os Astecas utilizavam nos festivais de primavera para a renovação da agricultura. Outro tipo de máscara, com feições grotescas, olhos em covas profundas e pele enrugada, pode ser relacionado ao deus do fogo, que posteriormente assumiria o nome de Huehueteotl. Máscaras com características de felinos e dentes de jacaré podem ter sido uma versão do home-jaguar ou dragão dos Olmecas (6) (imagem abaixo, painel Indian Warrior, representação da resistência Asteca contra o conquistador espanhol, realizado pelo muralista mexicano Diego Rivera, 1931).


Entre os Olmecas, as máscaras não escondiam 
a   identidade   do   usuário.   Seu   rosto   acabava
 compondo     uma      espécie     de     dupla     face 
com  o  animal  ou  a  divindade  representada 

A dualidade, importante elemento simbólico na América Central, já estava expressa nas máscaras e figurinos do período. Máscaras com duas metades (de um lado o rosto vivo e do outro o crânio sem carne, ou parte humano parte animal) foram encontradas em várias partes do México central. Shelton conta ainda sobre uma extraordinária cabeça de cerâmica da mesma região que mostra um crânio cortado ao meio para revelar as feições da velhice e que se abre para revelar um rosto jovem por baixo. Ao contrário de seus vizinhos do centro do México, os Olmecas utilizavam jade, ônix, e outros tipos de pedras para fazer suas máscaras. Também faziam maior quantidade de máscaras com rostos humanos do que de divindades. Na arte Olmeca, a identidade do usuário raramente era escondida pelo animal ou divindade representado pela máscara. Durante o período pré-clássico tardio surge outro estilo nas regiões de Mezcala e Chotal, a noroeste de Guerrero. As máscaras são achatadas, com poucos traços de rosto e podem ter sido usadas para cobrir os rostos dos mortos. Sem as qualidades expressivas encontradas nas máscaras provenientes do centro do México e dos Olmecas (ainda que os olhos e dentes feitos com incrustações de obsidianas, turquesas e pérolas possam ser bastante eloquentes!), o estilo Mezcala parece ter exercido grande influência no estilo posterior de máscaras angulares e trapezoidais de pedra associadas com o grande centro metropolitano de Teotihuacán (300-650 d. C.). 


“No sul do México, Guatemala e Honduras, os Maias utilizavam um estilo mais naturalista de retrato para máscaras funerárias (imagem acima). Um excepcional retrato em mosaico de jade de Pacal, que acedeu ao trono em Palenque em 615 e governou até 683, foi encontrado na câmara funerária sob o Templo das Inscrições. A maior parte das máscaras Maias sobreviventes também possui associações funerárias ou com o mundo subterrâneo (...). Pequenas máscaras e esculturas maiores, tal como a cabeça de Tambla, próximo a Comayaqua, Honduras (...), são parte de pingentes elaborados, peitorais e cintos usados em ocasiões cerimoniais por reis Maias e membros da elite. Máscaras de metal são raras, com a exceção algumas máscaras fabricadas de ouro martelado do poço sagrado em Chichen-Itza, e uma pequena máscara de cobre (...) que se acredita representar o deus mercador Ek Chuak. Os códices Astecas e os relatos espanhóis do século dezesseis a respeito das civilizações [do] pós-clássico tardio (1200-1519) proporcionam uma rica (ainda que, por vezes, enigmática) fonte de informação sobre o uso e o significado das máscaras na América Central” (7) (imagem acima, máscara funerária Maia, Tikal, Guatemala, 527 d.C.)

Máscaras Sociais Sobrenaturais 





Em virtude do poder metafísico 
atribuído   às   máscaras,   possuí-las 
tinha fortes implicações políticas na 
América Central pré-colombiana 






Ainda que distintas entre si, cinco formas de uso relacionadas podem ser percebidas no período pós-clássico tardio mexicano: 1) Usos funerários: Os Astecas vestiam os corpos dos sacerdotes do alto escalão e colocavam máscaras em seus rostos antes de serem cremados. A seguir, repetem o processo sobrepondo mais máscaras; 2) Personificação de divindades: Os códices mostram divindades com máscaras, assim como aqueles que as incorporam; 3) Troféus: Crânios humanos e pele dos guerreiros vencidos na guerra eram considerados troféus de batalha e largamente utilizados na confecção de máscaras (além disso, a deformação do crânio dos vivos também era uma prática corrente entre os povos da América Central (8). Máscaras de crânios sem decoração e utilizadas como homenagem também não eram incomuns; 4) Cocares de guerreiros: Numerosas esculturas, ilustrações e frisos, mostram uma nova utilização para as máscaras (essas ilustrações continuaram a ser feitas mesmo depois da “conquista” dos espanhóis). Os guerreiros das duas principais ordens (Águia e Jaguar) usavam peles e roupas, com cocares bem realistas de animais; 5) Entretenimento: Máscaras também eram utilizadas por animadores da corte personificando animais e povos vizinhos desprezados pelos Astecas. (imagem acima, encontrada numa tumba repleta de tesouros da cultura Moche, no Peru, esta máscara funerária de cobre e conchas com 1500 anos é uma das duas que protegiam o rosto do chamado Senhor de Ucupe; abaixo, deus com presas e bandana de felino e o rosto enrugado; também fazem parte da combinação cabeças de serpente como brincos, Peru, povo Moche, máscara funerária, 500-600 d.C.)


Contudo, Shelton acredita que antes de especular a respeito da utilização das máscaras no período pós-clássico na América Central é necessário considerar aquilo que se entende por “pessoa” e suas relações com categorias metafísicas mais amplas. A noção Asteca de “pessoa” não se refere a um agente completamente livre e independente como no Ocidente. Da mesma forma, não é absoluta e inequívoca a relação da “pessoa” com animais, plantas e os fenômenos naturais e sobrenaturais. O destino pessoal de alguém será parcialmente determinado pelo lugar do nascimento em relação ao calendário. Não se tem certeza quando a origem dos nomes das pessoas, mas é certo que ao nascer a criança será relacionada com determinado animal, planta ou fenômeno natural – estes tornar-se-ão o alter-ego daquela pessoa, e a transformação futura daquela pessoa num animal particular independe da utilização de uma máscara correspondente. Cada pessoa será transformada no receptáculo do númen (poder mágico proveniente de um objeto, animal, etc.), embora xamãs e governantes fossem considerados mais próximos dessa condição, permitindo-os legitimar uma associação mais profunda com as divindades. Portanto, conclui Shelton, a utilização de máscaras entre os Astecas não parece ter sido veículo para conseguir desaparecer ou transformar-se, apontando para uma combinação de significados religiosos e políticos – salvo na imagem encontrada no Codex Borbonicus mostrando uma mulher e uma criança trancados em suas casas e protegidas por máscaras para evitar que espíritos malévolos às transforme em animais; aqui pelo menos o sumiço é claramente pretendido. 

Sejam imagens onde se encontram pessoas com máscaras que permitem que se vejam seus rostos, ou a utilização de máscaras de boca, ou ainda a popularidade dos cocares e pintura facial, tudo isso sugere a existência de qualidades múltiplas naturais e sobrenaturais dos humanos no interior do mesmo corpo físico. Esta é a opinião de Shelton, para quem esta interpretação transparece no termo indígena para máscara, xayacatl, significando “rosto”, que é considerada a expressão externa do coração de uma pessoa. É provável, continua Shelton, que o poder sobrenatural e curativo das máscaras tenha relação com sua estreita associação com o númen. Certos crânios (de homens-deuses, militares de alta patente, oficiais políticos ou religiosos que se acreditava carregarem o númen) podem ter sido decorados e preservados como relicários. Muitas das máscaras com mosaico de turquesas, encontradas em tumbas na região Mixtec de Oaxaca e Puebla, provavelmente retiravam seu poder de associações próximas com os cadáveres de antigos homens-deuses. (imagem acima, no alto, máscara Maia em mosaico de jade, obsidiana e conchas, 250-900 d.C. Os grandes alargadores de orelha indicam que ela representava uma pessoa importante; abaixo, à esquerda, máscara Olmeca de matéria vulcânica, 1200 d.C.; no centro, máscara de dupla face com crânio aparente; à direita, máscara mortuária de Pacal)


“Devido ao poder metafísico relacionado às máscaras, sua posse tem fortes implicações políticas. A posse do crânio de um inimigo, [sua] pele ou todos os trajes de um culto estrangeiro (incluindo a máscara) significa a sujeição e expropriação das filiações sobrenaturais de um grupo, deixando-o efetivamente sem defesa. Na América Central, portanto, a função primária das máscaras não parece ter sido nem apagar nem revelar, mas servir como vasos ou repositórios nos quais o númen era momentaneamente contido, para ser colocado em contato com o corpo dos vivos ou dos mortos. As vezes, esse contato transmitia suficiente poder espiritual para que as próprias máscaras fossem consideradas relicários. As máscaras simbolizavam a complexa coexistência de ‘rostos’ possível na fisionomia humana” (9) (imagem acima, detalhe da máscara em mosaico de turquesa a que se atribui representar, entre outros, Quetzalcaotl, Mixteca/Asteca 1200-1519)

A Máscara da Morte e o Futebol  



A elite
dos guerreiros 
Astecas   tinha   como
guardiões a águia e o jaguar.
Suas máscaras tinham duas cabeças,
a  do  animal  e o rosto do guerreiro,
que se projetava a partir do
interior da boca aberta
de seu guardião 
espiritual (10) 





Cara McCarty e John Nunley afirmam que, em algumas sociedades onde certos animais são reverenciados como imagens divinas, muitas vezes os governantes pediam sua proteção durante combates ou rituais. Isto era verdade tanto para os Maias quanto para os Astecas, cujos líderes glorificavam a si mesmos enquanto afirmavam haver conseguido acesso a poderes divinos ao se vestirem como deuses. Durante o combate, os soberanos personificavam divindades ao carregar escudos com imagens de jaguar e por usarem trajes extravagantes e coloridos de pele de jaguar com insígnias reais e outros elementos simbólicos. Embora os soberanos personificassem o divino, os objetos de arte comemorativos das batalhas apresentam uma distinção entre um verdadeiro deus e um representante humano: guerreiros astecas usavam capacetes de jaguar ou águia, porém suas faces humanas estavam visíveis dentro da boca do animal (como se a abertura do visor de um capacete de motociclista fosse uma boca). Os soberanos Maias foram representados de perfil mostrando um corte de uma máscara de divindade pairando sobre seu rosto humano. Não apenas a guerra dava a eles a oportunidade de se associar com os deuses que apresentavam, mas transformar-se em seres divinos também era uma forma bastante efetiva de intimidar seus oponentes (11). (as imagens acima, à esquerda, e abaixo, pertencem a coleção particular de Ruth D. Lechuga. Em sua pesquisa sobre a cultura mexicana atual ela recolheu essas máscaras que mostram claramente a representação dos guerreiros Astecas no carnaval do Estado mexicano de Vera Cruz: acima, Caballero Tigre, da comunidade Otomí de Huayacocotla; abaixo,  à esquerda, Caballero Aguila, da mesma comunidade; direita, Caballero Tigre, da comunidade Otomí de Silacatipan. Neste último exemplo, Lechuga observou que se trata de uma figura feminina, ainda que a ordem pré-hispânica dos Cavaleiros do Jaguar só fosse composta por homens)


Frequentemente, guerras e partidas de futebol (no peculiar estilo das culturas antigas da América Central) eram realizadas como atos rituais integrais de sua mitologia e da ordem de seu mundo. A preocupação com a morte permeava as sociedades da América Central, cuja crença sustentava que os seres humanos foram criados para alimentar os deuses através de sacrifícios e decapitações, sendo este o objetivo primário da guerra e das partidas de futebol. Acreditava-se que a renovação da vida e a sobrevivência da comunidade dependiam da oferenda de sangue aos deuses, a guerra e eventos cerimoniais eram vistos como formas de capturar vítimas. Esses jogos de futebol ancestrais continuam a acontecer por toda a América Central até hoje. Há poucas evidências de que o equipamento de proteção dos jogadores tenha um dia incluído máscaras. Uma exceção (datada entre 600 e 200 a.C., no meio do período pré-clássico) foi encontrada em Oaxaca, no sul do México. No sítio arqueológico de Dainzú desenhos em pedra mostram jogadores que parecem utilizar capacetes com gaiolas abertas (como aqueles utilizados no futebol americano) para proteção do rosto. Nesse caso, as figuras aparentam movimento, alguns bonecos de barro encontrados em sítios funerários noutros locais estão em pose estática usando máscaras parciais, mas ainda não é possível saber se sua função é de proteção durante o jogo ou para as festividades posteriores. 


“Quando jogados num contexto ritual, [esses jogos] representam uma batalha entre a vida e a morte. Estatuetas de pedra e cerâmica dos reis Olmecas e Tlatilcos os retratam vestindo equipamento de proteção para o jogo de bola e insígnias como cocares, máscara facial de duas cores e pingentes de espelhos [fabricados a partir de magnetita esculpida (12)]. O espelho associa os governantes com o deus sol, enquanto a iconografia do milho, um símbolo Olmeca de fertilidade e vida, [os associa] como sacerdotes do deus milho. Essas máscaras e cocares não eram utilizados para proteção física, mas fortaleciam metaforicamente os governantes para derrotar as forças da morte e da seca, de maneira a promover fertilidade e a nova vida para a comunidade. Os cocares, máscaras e emblemas eram veículos espirituais através dos quais poder sagrado e proteção podiam ser obtidos” (13) (imagem acima, com o nariz sendo formado a partir do entrelaçamento de duas serpentes, cujas cabeças formam as sobrancelhas, acredita-se que essa máscara represente o deus da chuva, Tlaloc, divindade geralmente retratada com mosaicos de turquesa. Mixteca/Asteca, 1200-1519 d. C)

Ao Submundo e Além  




Apesar do cristianismo,
muitas crenças sobreviveram
e  as  máscaras  se  mantiveram
parte  essencial  das danças e cerimônias indígenas (14) 






A cripta contendo o sarcófago do rei Maia de Palenque conhecido como Pacal foi encontrada em 1952. Uma máscara de jade foi encontrada no sarcófago, um símbolo em forma de “t”, associado ao deus da chuva, foi colocado na boca com o objetivo de garantir a sobrevivência do rei em sua descida para o reino do submundo. O alto relevo na laje de pedra que cobria o sarcófago mostra essa viagem, com a entrada do rei através da máscara do monstro do sol do submundo. Ao contrário da parte superior da laje, embaixo o simbolismo da morte transparece no rosto esquelético do monstro (15). De fato, quando se fala em animais como alter-egos de pessoas, a referência não é a psicologia de alguém, mas sua alma: se a pessoa não come o animal passa fome, se ele está ferido a pessoa fica doente. Tona é o termo que designava esse animal guardião da alma. Inclusive os deuses tinham seu tona, como o deus Tezcatlipoca (representado por um espelho feito a partir da obsidiana), que tinha o jaguar como guardião – talvez por esse motivo este animal fosse tão respeitado. Durante o período de evangelização cristã, qualquer máscara com chifres e/ou dentes a mostra era suficiente para que os índios fossem proibidos de usá-la, ainda que eventualmente ela nada tivesse de diabólico. Do ponto de vista dos padres cristãos, tudo era rotulado de paganismo. Embora depois de séculos muitos rituais antigos tenham sido relegados ao esquecimento, muitas máscaras encontradas no México atual apresentam características que lhes associam ao panteão das civilizações pré-colombianas. (imagem acima, à esquerda, Festa dos Mortos no México; retratada em ¡Que Viva Mexico!, que o soviético Serguei Eisenstein apenas filmou, mas foi montado à revelia em mais de uma versão; abaixo, máscara mortuária de jade do rei Pacal)

Antes  da  “conquista” as  mulheres 
participavam num certo número de danças e usavam
máscaras quando a situação exigia (16) 

Depois de 1519, primeiro no México depois no Peru, os espanhóis destruíram a base teocrática existente, o que levou ao fim das festividades com máscaras ligadas à guerra, tributos e cerimônias organizadas pelos governos locais. Contudo, permaneceram as tradições de máscaras ligadas às cerimônias comunitárias e domésticas ligadas à agricultura e fertilidade, o que levou os missionários católicos a incentivar o sincretismo religioso por toda a América hispânica como forma de neutralizar a persistência de rituais indígenas. Foi assim que o dia de Todos os Santos e Todas as Almas passou a coincidir com o período das cerimônias pré-hispânicas pelos mortos. Mesmo que a figura do diabo não significasse grande coisa para os indígenas convertidos e subjugados, ele sobreviveu graças ao sincretismo religioso em numerosas alegorias até os dias atuais (do ponto de vista dos religiosos cristãos, todos os deuses dos autóctones do Novo Mundo eram considerados demônios). Embora antes da chegada dos espanhóis as mulheres também pudessem participar das festividades e cerimônias inclusive usando máscaras, provavelmente tudo isso acabou com a chegada do catolicismo e da cultura européia em geral, já que lá, durante o século XV, homens interpretavam os papéis femininos no teatro (já que ser atriz era considerada uma profissão de pouco respeito) (17). De uma forma ou de outra, essa metamorfose generalizada das divindades não conseguiria extinguir a utilização de máscaras. 

 

 
 

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